Como implante cerebral Neuralink de Elon Musk ‘amplia as fronteiras da mente’
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- Author,Dvija Mehta
- Role,BBC Future
- Há 13 minutos
Em março, um homem chamado Noland Arbaugh demonstrou que consegue jogar xadrez usando apenas a mente.
Depois de viver com paralisia por oito anos, ele reconquistou a capacidade de realizar tarefas que, para ele, eram inacessíveis, graças a um implante cerebral projetado pela empresa Neuralink, fundada por Elon Musk.
“Para mim, simplesmente ficou intuitivo imaginar o cursor se movendo”, afirmou Arbaugh em uma transmissão de vídeo. “Eu simplesmente olho para um lugar da tela e ele se move para onde eu quero que ele vá.”
A descrição de Arbaugh indica uma sensação de ação própria. Ele sugere que era responsável por mover a peça de xadrez. Mas quem realmente realizava as ações, ele ou o implante?
Como filósofo da mente e especialista em ética da inteligência artificial, fiquei fascinado por esta questão.
As tecnologias de interface entre o computador e o cérebro (BCI, na sigla em inglês), como as propostas pela Neuralink, simbolizam uma nova era na interligação entre o cérebro humano e as máquinas. Elas nos convidam a reconsiderar nossas intuições sobre a identidade, o self e a responsabilidade pessoal.
Em curto prazo, a tecnologia promete muitos benefícios para pessoas como Arbaugh, mas as aplicações podem se estender ainda mais. O objetivo de longo prazo da empresa é tornar esses implantes disponíveis para a população em geral, que poderá aumentar e reforçar suas capacidades.
Se uma máquina puder realizar atos que antes eram reservados à matéria cerebral dentro do nosso crânio, será que ela deve ser considerada uma extensão da mente humana ou algo separado?
A mente estendida
Podcast traz áudios com reportagens selecionadas.
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Há décadas, os filósofos vêm debatendo as fronteiras da personalidade: onde termina a nossa mente e começa o mundo exterior?
Em nível primordial, você pode considerar que a nossa mente repousa dentro do nosso cérebro e do corpo. Mas alguns filósofos propuseram que esta definição é um pouco mais complicada.
Em 1998, os filósofos David Chalmers e Andy Clark apresentaram a hipótese da “mente estendida”. Eles sugeriram que a tecnologia poderia se tornar parte de nós.
Em linguagem filosófica, os dois estudiosos propuseram um externalismo ativo – uma forma em que os seres humanos podem delegar alguns aspectos dos seus processos de pensamento para artefatos externos, que seriam integrados à própria mente humana.
Esta proposta surgiu antes do advento do smartphone e serviu para prever como agora atribuímos tarefas cognitivas aos nossos aparelhos, desde procurar trajetos para chegar a algum lugar até a nossa própria memória.
Como exercício intelectual, Chalmers e Clark também imaginaram um cenário “de ficção científica”, no qual alguém com um implante no cérebro manipula objetos em uma tela – na verdade, algo muito parecido com o que fez Arbaugh recentemente.
Para jogar xadrez, Arbaugh imagina o que deseja, como mover um peão ou um bispo. E o implante, neste caso o Neuralink N1, seleciona os padrões neurais da sua intenção, antes de decodificar, processar e executar as ações.
Agora que é algo que já aconteceu, que conclusão devemos traçar deste cenário, filosoficamente falando? O implante de Arbaugh é parte da sua mente, entrelaçado com suas intenções?
Se a resposta for “não”, surgem questões polêmicas para definir quem é o verdadeiro autor das suas ações.
Para compreender por quê, vamos considerar uma distinção conceitual: os acontecimentos e as ações.
Os acontecimentos reúnem todos os nossos processos mentais, como nossos pensamentos, crenças, desejos, imaginações, contemplações e intenções. Já as ações são acontecimentos que são trabalhados, como os movimentos dos seus dedos para fazer rolar esta reportagem na tela, neste exato momento.
Normalmente, não existe separação entre o acontecimento e a ação.
Vamos tomar como exemplo uma mulher hipotética, Nora, jogando xadrez. Ela não tem uma BCI integrada.
Regulando os acontecimentos, Nora pode formar a intenção de mover um de seus peões uma casa à frente e faz isso simplesmente movendo sua mão.
No caso de Nora, a intenção e a ação são inseparáveis. Ela pode atribuir a ação de mover o peão a si própria.
Mas Arbaugh precisa imaginar sua intenção e o implante realiza a ação no mundo externo. Neste caso, o acontecimento e a ação são separados.
Com isso, surgem preocupações importantes. A pessoa que usa um implante cerebral para aumentar suas capacidades pode manter o controle executivo das suas ações integradas à BCI?
Os cérebros e corpos humanos já produzem muitas ações involuntárias, como espirros, erros de coordenação e dilatação das pupilas, mas será que as ações controladas por implantes podem parecer vir de origem externa?
Poderá o implante parecer um intruso parasita que irá corroer a pureza da vontade de uma pessoa?
Chamo este problema de dilema da contemplação.
No caso de Arbaugh, ele elimina etapas cruciais da cadeia causal, como o movimento da sua mão que concretiza sua jogada de xadrez.
O que acontece se Arbaugh pensar, primeiramente, em mover seu peão uma casa à frente, mas, em uma fração de segundo, ele mudar de ideia e perceber que deve movê-lo duas casas, em vez de uma? Ou se ele estiver analisando possibilidades na sua imaginação e o implante interpretar, por erro, uma delas como sendo a sua intenção?
No tabuleiro de xadrez, os riscos são baixos. Mas, se esses implantes ficarem mais comuns, a questão de responsabilidade pessoal se torna mais inquietante.
O que acontece, por exemplo, se uma ação controlada por um implante causar ferimentos no corpo de outra pessoa?
E esta não é a única questão ética levantada por estas tecnologias. Sua comercialização superficial sem solucionar totalmente o enigma da contemplação e outras questões importantes pode abrir o caminho para uma distopia digna das histórias de ficção científica.
O romance Neuromancer, de William Gibson, por exemplo, destacou como os implantes poderiam levar à perda de identidade, manipulação e à perda da privacidade de pensamento.
A questão fundamental do enigma da contemplação é definir quando um “acontecimento da imaginação” se transforma em “imaginação intencional de agir”.
Quando aplico minha imaginação para contemplar quais palavras devo usar nesta sentença, este é um processo intencional. E a imaginação dirigida à ação – digitar as palavras – também é intencional.
Em termos de neurociência, é quase impossível diferenciar entre a imaginação e a intenção.
Um estudo realizado em 2012 por um grupo de neurocientistas concluiu que não existem eventos neurais que se qualifiquem como “intenções de agir”.
Sem a capacidade de reconhecer padrões neurais que definam essa transição em alguém como Arbaugh, podemos ficar sem saber qual cenário imaginado é a causa de cada efeito no mundo físico.
Isso permitiria atribuir ao implante a responsabilidade parcial e a autoria da ação. Assim, voltaríamos a questionar se as ações são realmente dele e se elas fazem parte da sua personalidade.
Mas, agora que o experimento de Chalmers e Clark sobre o pensamento e a mente estendida já se tornou realidade, proponho reanalisar suas ideias fundamentais como um método de eliminar a separação entre os acontecimentos e as ações em pessoas com implantes cerebrais.
Adotar a hipótese da mente estendida permitiria a alguém como Arbaugh assumir a responsabilidade pelas suas ações, sem dividi-la com o implante. E esta visão cognitiva sugere que, para ter uma experiência como sua própria, é preciso pensar nela como sua própria.
Em outras palavras, a pessoa deve pensar no implante como parte da sua autoidentidade, dentro das fronteiras da sua vida interna. Com isso, pode sobrevir uma sensação de atividade, propriedade e responsabilidade.
Implantes cerebrais como o de Arbaugh, sem dúvida, abriram novas portas para discussões filosóficas sobre as fronteiras entre a mente e a máquina.
Os debates sobre a ação e a atividade tradicionalmente ficaram em torno da fronteira da identidade, entre a pele e o crânio. Mas, com os implantes cerebrais, esta fronteira ficou maleável, o que faz com que o self possa se estender mais do que nunca em direção à tecnologia.
Ou, como observaram Chalmers e Clark: “Quando a hegemonia da pele e do crânio for usurpada, poderemos conseguir nos observar mais verdadeiramente como criaturas do mundo.”
* Dvija Mehta é filósofo da mente e pesquisador de ética da inteligência artificial do Centro Leverhulme para o Futuro da Inteligência da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.